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sexta-feira, 14 de julho de 2017

Arqueólogos recriam armas da Idade da Pedra para saber como eram usadas

Metin Eren não estava satisfeito com apenas escavar pontas de flechas antigas para aprender sobre o passado. Ele queria usá-las para o propósito que justificou sua criação.
Mas disparar flechas milenares e arruinar relíquias está fora de questão, e por isso o arqueólogo produz artesanalmente cópias de armas da Idade da Pedra.
"Podemos dispará-las, podemos quebrá-las", disse Eren, 34. "Nossa imaginação é o limite".
Arqueólogo burila pedaço de obsidiana para fazer réplicas de armas usadas na Idade da Pedra

O professor da Universidade Estadual de Kent, no Ohio, se especializa em arqueologia experimental —recriar panelas, facas e flechas do passado. Ao testar as réplicas de maneiras que não seriam possíveis com os originais, os arqueólogos descobrem como os implementos usados em escavações eram usados na prática.
"As coisas que encontramos são só coisas", disse Brian Andrews, arqueólogo da Universidade Estadual Rogers, no Oklahoma. "E é bacana encontrar coisas, mas não estamos interessados nelas por elas. Estamos interessados nos comportamentos humanos que resultaram em que fossem produzidas".
As experiências de Eren têm por foco compreender o uso das armas da antiguidade encontradas em grande volume nas Américas, e que ilustram a maneira pela qual os seres humanos colonizaram o hemisfério ocidental: por meio de preparação cuidadosa, planejamento em longo prazo e tecnologia refinada.
"Ainda que se trate da Idade da Pedra, eles mesmo assim pensavam de modo muito moderno", diz Eren.
Ele já resolveu um mistério duradouro. No começo do século 20, arqueólogos encontraram pontas de flecha de formato incomum, na América do Norte, com sulcos talhados da base até mais ou menos a metade da ponta.
Esse tipo de flecha apareceu pela primeira vez cerca de 13 mil anos atrás, e se espalhou rapidamente pelo continente, mas não existiu em qualquer outra região. Os pesquisadores não entendiam o motivo para os entalhes nas pontas de flecha, e especulavam que eles podiam servir a fins religiosos, ou que talvez fossem apenas decorativos.
E foi aí que a arqueologia experimental entrou em ação. Ao testar uma pressão que causaria quebra das pontas de flecha, usando um triturador de US$ 30 mil e modelos de computação, Eren descobriu que os sulcos entalhados serviam como amortecedores de choque, e permitiam que a base da flecha, afinada, se amassasse ligeiramente, absorvendo o impacto do choque e reduzindo a probabilidade de uma quebra da ponta.
Os arqueólogos definem esse modelo de ponta de flecha como "a primeira invenção verdadeiramente americana".
Cientistas do Brasil e do Reino Unido já haviam conduzido muitos tipos de experiência com recriações, e tomar técnicas e tecnologias de empréstimo a outros cientistas é uma prática duradoura.
Mas o laboratório de Eren, criado apenas um ano atrás, se destaca pelo equipamento de ponta e pelo foco singular em experiências arqueológicas, diz Briggs Buchanan, professor da Universidade Tulsa.
"O laboratório de Metin está estabelecendo um exemplo excepcional ao conduzir experiências rigorosamente controladas", disse Buchanan, que coescreveu estudos com Eren. "Os estudos experimentais anteriores sofriam com a qualidade variável dos experimentos, e raramente tomavam por base trabalhos anteriores'".
Estudante da Universidade de Kent carrega arco com uma flecha; pesquisadores reproduzem armas
Curvado diante de uma mesa de amostras, certa manhã de quinta-feira, Eren, usando óculos de proteção, tem em suas mãos um pedaço de obsidiana do tamanho de um vidro grande de palmito. Ele bate com um chifre de alce em uma das pontas da pedra. Com um estalido forte, uma lâmina de obsidiana se destaca do pedaço maior.
Ele a examina cautelosamente. Lâminas de obsidiana são "afiadas como moléculas", diz Eren, e, quando ele estava na pós-graduação, uma delas quase decepou seu mindinho esquerdo.
Eren tem nas mãos um pedaço do enigma de como os seres humanos vieram a dominar o planeta. Ao refinar suas armas, os americanos da antiguidade aprenderam a se adaptar a todas as condições.
"Eles sabiam que estavam penetrando em território desconhecido, e por causa disso se prepararam extremamente bem em termos tecnológicos", diz Eren. "Compreender esse processo de colonização é importante para compreender o que somos hoje".
Tradução de PAULO MIGLIACCI
Fonte: Folha De São Paulo

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